POR Abilio Diniz

Nos últimos anos, devido às dificuldades de ordem externa – criadas pela recessão internacional – e de ordem interna – advindas do fim da fase de crescimento no período de 1968/73 – o País se envolveu cada vez mais numa conjuntura de crise econômica.

A atitude dos governos diante da crise econômica caracterizou-se por ser meramente defensiva, utilizando-se, para isso, políticas convencionais de contenção das atividades (restrição de investimentos e de consumo) para enfrentar os fatores de empobrecimento relativo. Acontece que essa redução de oferta de dinheiro e de crédito e somada à elevação conseqüente dos juros, acaba tendo reflexos sobre a produção.

Num segundo momento, a redução do consumo, aliada à alta dos juros e à restrição monetária acabam por reduzir ainda mais a produção, aumentando a escassez e o desemprego. Nesse contexto, a questão do empobrecimento, que se pretendia resolver, acaba se agravando.

É chegado um ponto em que estas políticas defensivas se esgotam, e devem ser enfrentadas dentro de uma visão mais ampla, que busque a superação desses problemas através da elevação da produção, em um novo surto de crescimento. Mesmo admitindo que esse crescimento não possa ocorrer nos mesmos moldes que caracterizaram a fase anterior de prosperidade, será preciso definir novos setores da produção capazes de crescer. E esse crescimento só será possível com uma política simultânea de controle seletivo de importações e de substituição de produtos importados. Somente dessa forma, absorveremos o grande contingente de mão de obra desempregada, transformando-a de um grave problema social em fator de desenvolvimento nacional.

É dentro desta proposta que se coloca este trabalho, como uma contribuição positiva para a discussão de alternativas não recessivas para a superação da atual crise econômica. A política monetarista de recessão e juros elevados já ameaça seriamente a sobrevivência das empresas e a própria estabilidade política do País.

Nesse sentido, é preciso discutir uma proposta alternativa que procure resolver a crise sem apelar à recessão destruidora; que preserve o parque industrial e as atividades produtivas, que transforme os sacrifícios em resultados concretos, mesmo que isto venha a significar mudanças sensíveis nas condições hoje existentes. Para que isso se torne viável, é primordial desmontar a política monetária de juros elevados e de escassez de crédito que vem sendo praticada, bem como reduzir a predominância do sistema financeiro sobre as atividades produtivas. As atividades financeiras devem retornar ao seu papel de servir a produção, e não inviabilizá-la como hoje ocorre.

I – UMA PROPOSTA PARA TRATAR O PROBLEMA NO PLANO EXTERNO

Negociar um acordo com credores provados e o FMI, obtendo uma folga no pagamento dos nosso compromissos externos de forma a poder recuperar o nível da produção, propondo um plano de ajustamento a médio e longo prazo. Objetivo: garantir um mínimo de importações compatível com a recuperação da produção.

Condições de negociação: a) Suspensão dos pagamentos e renovação automática da dívida e juros pelo período de três anos. b) Transformação dos créditos de curto prazo em empréstimos de longo prazo através de operações lideradas por grandes bancos estrangeiros. (Consolidação da dívida externa de curto prazo). c) Renegociação das condições de pagamento de toda dívida inclusive juros, contando com a maior participação dos organismos oficiais de financiamento (FMI, Banco Mundial, Bancos Centrais e BIS). d) Os eventuais superávits em conta corrente exclusive juros somados aos investimentos, obtidos nos três primeiros anos, seriam utilizados para a recomposição do nível de reservas. e) Independentemente da necessidade de rolagem da dívida, o perfil das amortizações nos próximos 10 anos seria redefinido de modo que, a cada ano, as amortizações mais os juros (o serviço da dívida) não ultrapassem 60% das exportações previstas. f) Como contrapartida, o Brasil se comprometeria a viabilizar o pagamento da dívida externa através de saldos crescentes na balança comercial (cerca de US$ 6 bilhões em 1983) em níveis compatíveis, porém, com a recuperação econômica. Esses saldos crescentes permitiriam que, em médio prazo, a balança de transações correntes do País (cerca de US$ 8,8 bilhões em 1983) deixasse de ser deficitária, atingindo o ponto de nivelamento do endividamento externo. No médio prazo estes saldos seriam garantidos tanto pela implementação de um programa de substituição de importações, como pela implementação de um programa seletivo de promoção de exportações, com o apoio financeiro e suporte científico e tecnológico do setor público. g) O novo acordo deveria ser referendado pelo Congresso Nacional.

II – UMA ALTERNATIVA NÃO RECESSIVA NO PLANO INTERNO

Criar condições imediatas de recuperação da produção com redução dos juros, melhoria na oferta de crédito e elaboração de um plano de reativação econômica e setores selecionados.

Condição fundamental para a recuperação da produção: aumentar a oferta de dinheiro e de crédito visando à obtenção da imediata redução de juros.

Condições para que a melhoria da produção não aumente as importações: melhorar as condições de crédito para setores selecionados da produção de modo a obter um reaquecimento que evite o aumento da procura por produtos importados; e adoção de políticas destinadas a reduzir a demanda por importações decorrentes dos efeitos da recuperação da produção.

Outras medidas necessárias para permitir o crescimento: implementação de uma nova política antiinflacionária em substituição à política de recessão que vem sendo adotada; reorganização do sistema financeiro nacional; promoção de uma ampla reforma tributaria; definição de uma política de emergência para as áreas de transportes e consumo de derivados do petróleo.

DETALHAMENTO DO PLANO INTERNO 1. Aumentar a oferta de dinheiro e de crédito visando a imediata reduação dos juros O elevado nível dos juros é o principal fator de redução da produção. Nesse sentido dever-se-ia adotar a seguintes medidas:

1.1 Melhorar a disponibilidade de dinheiro e de crédito no mercado que hoje estão muito restritas, de forma a forçar a queda dos juros pelos mecanismos normais de oferta e procura. A gradual liberação da moeda e do crédito pode ser feita com a redução dos depósitos compulsórios incidentes sobre os depósitos à vista e a prazo do sistema bancário.

1.2 Diminuir a colocação dos títulos da dívida pública no open-market, e reduzir o papel do Banco Central como elemento de elevação das taxas de juros de curto prazo. As aplicações no open-market por sua característica de curtíssimo prazo devem proporcionar rendimentos iguais ou abaixo da inflação.

1.3 Eliminar a existência de ativos e passivos computados em moeda estrangeira (desdolarização), com o Banco Central assumindo o papel de intermediador entre os valores em dólar e em cruzeiros para os demais agentes da economia. A eliminação das obrigações em dólar se daria com a transformação pelo BC das dívidas em dólar contratadas pelas empresas por dívidas em cruzeiros com correção monetária acrescida de juros, excluídas de risco cambial. Essa eliminação das obrigações em dólar abrangeria também a cláusula cambial das ORTNs, com sua extinção através da recompra do papel pelo Governo, tributação ou permissão para deposito no compulsório pela correção monetária.

1.4 Manter a correção monetária abaixo da inflação, de forma a permitir maior queda das taxas de juros, e reduzir a indexação sobre os ativos financeiros.

2. Melhorar as condições de crédito para os setores selecionados da produção de modo a obter um reaquecimento que evite o aumento da procura de produtos importados Direcionamento de crédito para os setores que apresentam maiores possibilidades de elevação do nível de emprego em curto prazo; que não dependam significativamente de produtos importados; setores que permitam a produção no País de máquinas, componentes e matérias primas importadas além daqueles que promovam a produção de mercadorias para exportação.

3. Adotar políticas destinadas a reduzir a procura por importados, decorrentes dos efeitos da recuperação da produção Considerando que o aumento da produção em determinados setores provocará, indiretamente, o crescimento dos demais setores, é fundamental a implementação de medidas que reduzam a procura indireta por importações. Entre elas:

3.1 Seleção dos produtos importados baseada em estudos com o setor privado, de modo a garantir que sejam importados apenas os produtos essenciais que não possam ser produzidos internamente no curto prazo.

3.2 Alterações nas taxas de Imposto de Importação e do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) incidentes sobre o pagamento das importações segundo critérios de essencialidade.

3.3 Alteração nas taxas do IPI segundo critérios de participação de materiais importados, penalizando aqueles produtos onde a participação destes insumos é elevada de modo a desestimular o consumo

4. Implementar uma nova política antiinflacionária em substituição à atual politica recessiva Objetivo: permitir a recuperação do nível de emprego sem prejudicar o combate à inflação.

Características da nova política antiinflacionária 4.1 Finanças do Setor Público – Elevar as receitas tributárias do setor público de modo a reduzir os déficits e permitir a redução da “receita inflacionária”. Essa diminuição deve ser gradual, como deve ser também gradual a redução do déficit público, de forma a não agravar a recessão.

4.2 Política de Rendimentos – Eliminar o caráter automático da inflação, mesmo em condições de recessão, que permite o repasse dos aumentos de custos para os preços independentemente das condições de demanda, através de políticas de rendimentos que promovam a desindexação e o controle de preços. a) Correção Monetária – Manter a correção monetária abaixo da inflação definindo um redutor para a correção próximo do expurgo salarial. b) Juros – O redutor da correção monetária e a melhoria da oferta de moeda devem ser suficientes para permitir substancial queda dos juros. c) Salários – A atual política de reajustes salariais, fixando os reajustes em 80% do INPC semestral deve ser mantida, porém preservando-se o salário mínimo, que deveria ser reajustado de acordo com a inflação (em conseqüência, os salários imediatamente acima de um salário mínimo também se beneficiariam de um reajuste maior que os 80% do INPC, de forma a tornar compatível a escala salarial). A desindexação da folha de salários, simultaneamente à redução das despesas financeiras permitiria a queda dos custos de produção. d) Preços – A limitação dos aumentos de preços ligeiramente abaixo da inflação impõe-se como forma de garantir que as reduções de custos reflitam em queda nos preços. Destaque-se, porém, que um controle de preços apenas será eficaz e viável no médio prazo se aplicado em bases realistas, que levem em conta o alto grau de descapitalização das empresas no momento.

5. Reorganizar o sistema financeiro nacional Objetivo: garantir o volume de recursos financeiros necessários a recuperação da produção.

5.1 Diminuir a característica especulativa de boa parte das aplicações financeiras hoje existentes, estimulando a captação e aplicação a prazos mais longos e a taxas de juros mais baixas. O governo deve reduzir a colocação de títulos de divida pública através de maior controle de seu orçamento, evitando a criação de aplicações financeiras privilegiadas que compitam com os demais papéis do mercado.

5.2 Criar melhores condições para a capitalização das empresas privadas através do mercado acionário. Com a queda das taxas de juros e a reversão da tendência recessiva, haverá maiores condições de capitalização das empresas via mercado de ações, já que os aplicadores passarão a ter mais confiança no futuro das empresas, e já não estarão atraídos por juros excepcionais nas aplicações de renda fixa.

5.3 Proporcionar tratamento fiscal diferenciado para os ganhos de capital de risco comparativamente aos ganhos de capital no mercado financeiro, visando a estimular a capitalização das empresas através do mercado acionário.

5.4 Como conseqüência da renegociação da divida e da desdolarização, permitir às empresas a renegociação das dívidas adquiridas em moeda estrangeira, transformando-as em dívidas em cruzeiros, com novos prazos e a novos níveis de juros.

5.5 Unificar os orçamentos do setor público, os orçamentos monetários, fiscais e de estatais, submetendo-os inclusive à aprovação do Congresso Nacional.

5.6 Reformulação do Sistema Financeiro da Habitação de forma a melhorar suas condições e utilizá-lo como estimulo à recuperação da indústria da construção civil.

6. Promover ampla reforma tributária Objetivo: garantir maior adequação entre as receitas e despesas do setor público e uma distribuição mais harmônica da carga tributaria. Simultaneamente à descentralização tributaria, deveria ocorrer a transferência da atribuição da União para outros níveis de governo de forma a melhorar a eficiência do setor público de um modo geral.

6.1 Elevar as receitas tributárias do setor público com o objetivo de reduzir os déficits públicos, de maneira gradual para não agravar a recessão. Ao mesmo tempo, promover a redistribuição destas receitas entre União, Estados e Municípios de modo a amenizar as dificuldades financeiras nos vários níveis de governo.

6.2 Promover uma redistribuição mais harmônica da carga tributaria entre os contribuintes, ampliando a participação dos impostos diretos, incluindo uma maior incidência sobre as aplicações financeiras e ganhos de capital.

6.3 Reforçar a utilização dos impostos indiretos como fator de direcionamento do consumo, diminuindo a tributação incidente sobre os produtos básicos.

7. Definir uma política de emergência para as áreas de transportes e de consumo de derivados de petróleo Dinamizar ainda mais os programas de transporte coletivo urbano de modo a racionalizar a utilização de combustível. Paralelamente, acelerar os planos de substituição de derivados de petróleo por alternativas energéticas nacionais.