POR Abilio Diniz

Desde o inicio do atual processo de ajustamento econômico e de nossa ida ao Fundo Monetário Internacional, os empresários ocuparam espaços na imprensa para denunciar a política de recessão econômica como forma de superar nossos problemas. Propusemos na época a renegociação da dívida externa, através de ampla discussão com os credores, ressaltando o caráter político da negociação de uma divida tão alta e suas conseqüências sociais para o País.

Sempre somei minhas forças aos que se opunham à aceitação incondicional às regras do FMI, não pela simples discordância à ação do governo, mas achando que pelo alto custo que teríamos que pagar, pouco receberíamos em troca em termos de redução de nossa vulnerabilidade externa. Na verdade, demos tudo em troca da simples rolagem momentânea da divida externa sem que nos garantissem de alguma forma a possibilidade de renegociação em longo prazo. Os credores não precisaram fazer grandes concessões, na medida em que aceitamos passivamente suas proposições tal como pode ser visto nas sucessivas cartas de intenções que assinamos, sem que ao menos tivéssemos a segurança de poder cumpri-las.

Os empresários conscientes, sempre tiveram em mente a necessidade de ajustes econômicos internos, principalmente após a crise financeira internacional, logo que as condições favoráveis ao endividamento deixaram de existir e que a divida externa tornou-se muito elevada. Achávamos, entretanto que o reajustamento deveria ser feito sem prejuízo da capacidade produtiva interna, através da reorientação dos investimentos internos, da substituição de importações e da maior produção de alimentos, sem que isso viesse a ter o caráter de recessão generalizada.

Passados três anos do período de contenção, de desemprego crescente e de recessão generalizada, o que temos ainda é insuficiente. Excluídos os esforços na área governamental, de maior produção interna do petróleo, de substituição de energia e de redução do déficit fiscal, e o excepcional comportamento do setor privado, que soube flexibilizar-se diante da recessão, aumentando a produtividade e resistindo à política econômica recessiva, temos hoje uma estrutura produtiva enfraquecida. E esse quadro é agravado por uma demanda interna em recessão com a queda dos salários reais, e uma agricultura descapitalizada e incapaz de oferecer produtos agrícolas suficientes para reduzir a pressão altista dos alimentos sobre a inflação.

Quanto ao setor externo, excetuando-se a excepcional elevação das exportações para os Estados Unidos, fruto da grande recuperação por que passa aquela economia, percebemos que ainda somos tão vulneráveis quanto antes às modificações nos juros internacionais. O problema da divida externa e dos juros continua sendo o principal fator condicionante das nossas decisões de política econômica, limitando qualquer perspectiva de recuperação sustentada da atividade econômica interna.

Esse comportamento excepcional das exportações brasileiras para os Estados Unidos constitui-se hoje no principal fator a sustentar a estabilização da produção, inclusive com recuperação nos setores exportadores. Esse efeito estimulante sobre a atividade interna devido ao grande déficit norte-americano é sentido também nos principais parceiros comerciais dos Estados Unidos, sendo que nos dois primeiros meses do ano, as exportações dos países industrializados para os EUA cresceram de 38,8%, enquanto que a América Latina exportou mais de 50,4%. As exportações individualizadas de alguns países para o mercado americano mostram o efeito dessa recuperação, como o Canadá exportando mais de 38,9%, o Japão 40,5%, a França 100,3%, a Alemanha 51,1%, a Itália 172,8% e a Inglaterra 20,7%. No nosso caso especifico, estamos exportando mais 70% para os americanos, e 10,4 % a mais para os demais países.

No entanto, é preciso considerar que essa mesma recuperação, que eleva nossas exportações e proporciona um superávit comercial acima das metas estabelecidas, também cria um grande déficit comercial para os EUA, que deverá ser financiado com o ingresso de capital. Isso significa que os americanos, pressionados pelo déficit, serão obrigados a permitir a elevação das taxas de juros para atrair novos capitais, pois o risco de uma desvalorização do dólar torna-se tanto maior quanto mais elevado seu déficit em conta corrente.

E é justamente aqui que entra a questão da vulnerabilidade. O rescimento das exportações e o superávit comercial, se de um lado permitem certo desafogo, de outro, são compensados pela elevação das taxas de juros internacionais com impactos diretos sobre o serviço da divida externa. Volta, dessa forma, a questão da vulnerabilidade externa, que não permite a adoção de políticas destinadas à recuperação sustentada da atividade interna, mesmo com desempenho favorável da balança comercial.

Nesse sentido, é bastante louvável a posição assumida pelo Brasil, juntamente com o México, Argentina e Colômbia, no sentido de pedir uma nova política para os países endividados que lhes assegure condições de voltar a crescer. O entendimento da perspectiva política envolvida nos processos de renegociação da divida externa desses países e a necessidade de uma ação conjunta, é um passo fundamental para o reequacionamento da questão externa, condição principal para que esses países possam enfrentar as graves questões sociais internas nos próximos anos.