POR Abilio Diniz

Abilio Diniz

Falar sobre supermercados é arriscado. É muito mais seguro falar sobre uma indústria qualquer que produza bens intermediários. Poderá ser uma grande empresa; empregar um grande número de operários, mas mesmo assim é pouco conhecida. Poderemos então falar o que quisermos, pois não haverá contestação. Já quando se trata de supermercados o problema é outro. Não há ninguém que não tenha entrado ao menos uma vez em um supermercado. A maioria das pessoas freqüenta com certa regularidade os supermercados. Neles as famílias gastam parte considerável de sua renda mensal. E principalmente as donas de casa – mas, felizmente, também muitos maridos – passam algumas horas por mês nesses estabelecimentos. Entre os participantes deste almoço, por exemplo, tenho a certeza de que a maioria gosta de, de vez em quando visitar um supermercado. Isto é muito agradável para nós que dirigimos uma empresa de supermercados. Mas depois, quando se trata de falar sobre supermercados para tantos entendidos, surge o problema: o que dizer que eles já não saibam.

Depois de considerar diversas alternativas, e levando em consideração o tipo de ouvintes a que iria me dirigir, decidi tentar apresentar-lhes uma perspectiva empresarial dos supermercados. Falando para empresários, vou tentar examinar os supermercados sob um ângulo empresarial, mostrando-lhes a estrutura organizacional que o consumidor não vê.

A Loja De um supermercado o que todos conhecem é a loja. Esta, porém, já pode variar muito. Pode ter desde 400 até 2 mil metros quadrados de área de venda. Com área de venda inferior a 300 metros quadrados já não poderá ser considerado um supermercado. Será um Superette. No Brasil, os supermercados têm em média entre 500 e 600 metros quadrados de área de venda. Os maiores supermercados aproximam-se dos 1.500 metros quadrados. De um modo geral, porém, supermercados de dimensões muito grandes ainda não se justificam no Brasil. Um supermercado de 2 mil metros quadrados deve contar, principalmente, com fregueses que compram de automóvel. E, embora o uso de automóvel venha se generalizando no Brasil, estamos ainda muito longe de tê-los em quantidade suficiente para justificar supermercados imensos.

Na área de venda, além do setor de caixas registradoras, um supermercado terá sempre cinco seções: mercearia, carnes, frutas e verduras, frios e laticínios, e utilidades domesticas. O sistema de vendas sempre será a base de auto-serviço, embora em algumas seções, principalmente na de carnes, possamos também vender através de balconistas. Temos sempre carne preparada e empacotada, mas a preferência do freguês é claramente no sentido da carne cortada na hora.

A linha de mercadorias de um supermercado deve ser, em principio, completa no setor de alimentação. Pode variar bastante no setor de não comestíveis: utilidades domésticas, papelaria, confecções, livraria, artigos de presente, etc. As grandes lojas terão em geral um maior setor de não comestíveis. E a tendência moderna é a de aumento desse setor, pois à medida que cresce a renda da população, o consumo de bens não alimentícios cresce mais do que proporcionalmente o aumento da renda. Em media, entre alimentos e bens não alimentícios, um supermercado possui cerca de 6 mil itens, dentro dos quais 4 mil são alimentos. Estes produtos são em sua maioria estocados nas próprias prateleiras e balcões frigoríficos da loja, mas cada loja possui ainda uma ampla área de serviços, equivalente a 1/3 ou ¼ da área de vendas da loja. Nessa área de serviços, além do depósito, localizam-se as câmaras frigoríficas de carne, frios e laticínios e frutas e verduras, e as seções de preparo de carne e de frutas e verduras.

Uma loja de 600 metros quadrados de área de vendas possuirá em média cerca de 90 metros lineares de gôndolas – é este o nome que damos as prateleiras dos supermercados – 24 metro lineares de balcões frigoríficos e 5 ou 6 caixas registradoras. Possuirá também, em média, cerca de 45 funcionários, sendo a administração da loja composta por um gerente, um encarregado para cada seção, um encarregado de caixas e um encarregado de portaria. Embora o nível de especialização que os funcionários devem ter não seja muito alto, um dos grandes problemas que os supermercados enfrentam no Brasil é a falta de pessoal especializado. É preciso treinar cada novo funcionário.

Enfim, com uma área de vendas de 600 metros quadrados, com uma linha completa de mercadorias, com os equipamentos que enumeramos, e com um quadro de aproximadamente 50 funcionários, um supermercado renderá provavelmente entre 300 e 350 milhões de cruzeiros antigos por mês.

Para que isto ocorra de forma razoavelmente lucrativa, porém, será necessário que essa loja possua em sua retaguarda uma organização eficiente que a planeje, dirija, abasteça, financie e controle. A dimensão e o grau de especialização de uma organização dependerão, naturalmente, do número de lojas a serem dirigidas. Descrevemos esta organização, tendo como referência uma rede de supermercados com cerca de 50 lojas. Vejamos como uma organização com 50 lojas realizará suas cinco funções: planejamento, direção das operações, abastecimento, financiamento e controle.

Planejamento Uma organização de supermercados que esteja crescendo terá sempre um departamento cuja função será de planejar e executar a expansão da empresa. Para o planejamento da expansão, será imprescindível um departamento de pesquisa de mercado, que auxilie a direção da empresa a determinar os melhores locais para a instalação de supermercados. Na empresa que dirigimos, por exemplo, montamos um modelo de pesquisa, com base em uma analise de regressão em que foram correlacionados os seguintes fatores: de um lado o número de residências, a dimensão da loja, o grau de concorrência no local, a existência ou não de estacionamento; de outro lado, as vendas da loja. Com base nessa equação, podemos prever com razoável precisão as vendas de uma loja.

Além do departamento de pesquisa de mercado, o departamento de expansão deverá ocupar-se do projeto e da execução dos novos supermercados. Estes deverão acompanhar as tendências mais modernas de construção e decoração. Caberá também a esse departamento a compra dos equipamentos necessários ao supermercado. Em uma empresa com 50 lojas, é conveniente a existência de uma seção de carpintaria, para fabricar gôndolas e check-outs, e de uma seção de metalurgia, para fabricar os carrinhos da empresa. Além disso, deverá naturalmente possuir uma completa seção de manutenção preventiva.

Operação A operação da loja exige uma organização administrativa. Cada 8 lojas aproximadamente terá um supervisor. Além disso, cada seção terá um supervisor e alguns controladores, que auxiliem o trabalho do supervisor da seção.

O problema fundamental desse setor é conseguir uma operação eficiente e vender bem. A arrumação das mercadorias na loja, os displays agressivos, os cartazes, as faixas, a disposição das mercadorias mais importantes em lugares estratégicos, obrigando o freguês a percorrer toda a loja, o bom tratamento desses fregueses, a distribuição de folhetos em torno da loja, a realização de campanhas de ofertas, a propaganda, são todos fatores essenciais para que as lojas vendam bem. Há lojas agressivas e há lojas sem agressividade. Há uma propaganda inteligente e há uma propaganda quadrada. E a diferença entre essas alternativas é enorme.

O fator mais importante para as vendas de uma loja, porém, é o preço. Os fregueses procuram sempre o preço mais barato dos produtos. Por outro lado, a filosofia do supermercado é a de vender em escala, imprimindo grande rotação à mercadoria, a um preço o mais baixo possível. Portanto, vender com margens reduzidas, faz parte do próprio conceito do supermercado. Para nós, uma loja não pode, a rigor, ser chamada de supermercado, se vender caro. No Brasil, quando da instalação dos primeiros supermercados, seus preços eram elevados. Por isso cresceram tão lentamente. Hoje, porém, essa fase já está superada. Os supermercados vendem mais barato do que qualquer concorrente.

Para vender barato e ao mesmo tempo apresentar um lucro razoável, de aproximadamente 2% sobre a venda, os supermercados precisam ser eficientes. E uma operação eficiente em supermercado é algo extremamente difícil. É preciso reduzir as quebras e o furto de mercadorias, e, principalmente é preciso reduzir a precificação errada. Precisamos ter um pessoal bem selecionado, treinado e motivado. E esse pessoal precisa ser bem aproveitado. O bom funcionário de supermercado deve estar sempre onde é necessário. Não deve ser especialista, mas deve ser alguém capaz de desempenhar diversas funções dentro da loja.

Finalmente, para conseguir uma operação eficiente, é preciso controlar as despesas em todos os setores. Em uma grande organização, isto não é fácil. Depende de um controle rigoroso e de bons gerentes.

Abastecimento Outro fator fundamental para que uma organização de supermercados possa vender barato, é que ela saiba comprar barato e bem. Para isto há o setor de compras, responsável pela linha de mercadorias e abastecimento das lojas.

Comprar barato é extremamente difícil no Brasil, particularmente em São Paulo, onde estão situados os fornecedores. Existe uma crença de que se comprando muito se compra barato. Isto não é verdade. Ou é uma meia verdade. Estamos quase todos situados no eixo Rio–São Paulo, mas mesmo assim os fornecedores praticamente fazem diferença entre grandes e pequenos compradores. Para outros estados a situação é diferente. Longe de sua rede, os fornecedores médios não têm uma rede de distribuição. Se o comprador é pequeno, só tem chance de comprar através de atacadistas. E, nesse momento, seu preço de compra sobe. A rede de supermercados de outros estados, conseguindo comprar diretamente de São Paulo e do RJ, consegue então um custo muito mais baixo. Por esse aspecto, portanto, por paradoxal que pareça, é mais fácil levar adiante supermercados no Nordeste ou no Sul do País do que em São Paulo e no Rio de Janeiro.

De qualquer forma, um primeiro dever do comprador é comprar barato. O segundo é comprar na conta exata, de forma que não sobre ou falte mercadoria e a rotação de estoque seja a mais rápida possível. Para isso é preciso controle de estoque e conceitos de saída média diária, estoque de segurança e ponto de pedido.

Nem toda a mercadoria, porém, é possível controlar dessa forma. Isto só é possível em relação às mercadorias que vão para os depósitos centrais da empresa antes de ser encaminhada para as lojas. Mas, cerca de 50% das mercadorias de uma grande rede de supermercados, entram diretamente na loja. São principalmente as mercadorias perecíveis (carnes, verduras, frutas, frios, laticínios, etc.); além de algumas mercadorias de grande volume e rotação como açúcar e cereais. Para essas mercadorias de entrada direta o controle é feito em cada loja, e depende principalmente da experiência do gerente e do encarregado da respectiva seção.

Esperamos assim, ter dado uma visão empresarial completa, ainda que sumária de um supermercado. É um negócio difícil, mas fascinante. É sem dúvida o sistema mais moderno e eficiente de abastecimento que até hoje foi concebido e serve a milhões de pessoas – só na empresa que dirigimos temos mais que 2 milhões de fregueses por mês. Bem administrado pode ser um bom negócio. Mal administrado, por quem não conheça a fundo o setor, não há negócio mais perigoso.