POR Abilio Diniz

Abilio Diniz

Em uma entrevista a um jornal de São Paulo disse recentemente que o Brasil está na “era dos supermercados”. E de fato, creio que não há outra expressão para definir o momento que estamos vivendo no setor de abastecimento. Hoje o número de supermercados está se multiplicando em todo o País. Já existem grandes redes e um grande número de comerciantes está abrindo supermercados ou transformando seus estabelecimentos em lojas de auto-serviço.

Esta situação não aconteceu naturalmente. Na verdade, os primeiros anos de desenvolvimento dos supermercados no Brasil foram difíceis. E hoje mesmo veremos que os problemas a enfrentar são enormes.

Nos Estados Unidos os supermercados são a forma absolutamente dominante de vendas a varejo há muito. O primeiro verdadeiro supermercado norte-americano data de 1930. Chamava-se “King Cullen Supermarket” e foi fundado por Michael Cullen. Gosto sempre de contar a historia da fundação desse supermercado porque creio que ela define muito bem qual deva ser a verdadeira filosofia dos supermercados, porque nessa história está contido o conceito de supermercado no qual acredito.

Michael Cullen trabalhava para a Kroger, uma grande empresa de vendas de gêneros nos EUA. Em 1930, quando a crise econômica abateu-se sobre os EUA e todo o mundo ocidental, as vendas da Kroger caíram verticalmente. Este fato levou Michael Cullen a escrever uma carta à Diretoria da Kroger, na qual expunha suas idéias revolucionárias sobre a venda de alimentos. Disse ele:

“Não temos necessidade de continuarmos com nossos pequenos armazéns tradicionais, antiquados e totalmente ultrapassados. Precisamos eliminar os serviços, entregas a domicílios, e pedidos por telefone. Em troca disso, e para aumentarmos nossas vendas, instalemos supermercados. Vendamos por auto-serviço. Eliminaremos custos desnecessários. Vendamos a varejo, pelo preço de atacado. Vamos reduzir o custo de vida. Vendamos 300 artigos a preços que nos custam, 200 com uma margem de lucro de 5%, 300 com uma margem de 15% e o restante com 20% a 25% de margem. Enquanto isso, nossos concorrentes aplicarão a todos os artigos uma margem de 25 a 30 %, ganharão muito por unidade, porém nosso lucro será muito maior do que o deles, porque venderemos muito mais”.

Como resultado desta carta Michael Cullen foi demitido. Não se acovardou porém, decidiu aplicar suas idéias em uma empresa que ele próprio criaria. E assim nasceu o primeiro verdadeiro supermercado.

Dizemos o verdadeiro supermercado porque a loja de Cullen não se limitava a possuir os elementos formais de um supermercado. Não era apenas uma loja ampla e completa de gêneros alimentícios, com seções de mercearia, carne, frutas, verduras, frios e laticínios, e vendendo pelo sistema de auto-serviço. Não era apenas isto que estava contido na idéia de supermercados, mas também a da venda em massa, a preços realmente reduzidos. Cullen queria vender 300 artigos a preço de custo e 200 artigos com uma margem de 5%, através do auto-serviço. Isto era realmente uma revolução.

E seria uma revolução vitoriosa. Em 1932 já havia 20 supermercados nos EUA. Hoje há milhares e milhares, responsabilizando-se por quase 80% das vendas a varejo de alimentos naquele país.

Lento desenvolvimento no Brasil No Brasil esta revolução ocorreu bem mais lentamente. A primeira tentativa de supermercado brasileiro data de 1948. O primeiro supermercado realmente bem montado e completo foi o Sirva-se da Rua da Consolação, inaugurado em 1952. E depois o crescimento dos supermercados foi lento, vacilante, marcado inclusive por diversas falências. Este fato foi tão notório que um professor norte-americano, em artigo publicado em dezembro de 1963, registrou a lentidão do desenvolvimento dos supermercados no Brasil quando comparada com o que ocorreu nos EUA, nos seguintes termos:

“Parece que a parcela correspondente ao supermercado, nas vendas totais de produtos alimentícios, tende a crescer, mas o ritmo de crescimento, provavelmente, não será comparável ao desenvolvimento da instituição nos EUA” (Willian Knoke, O supermercado no Brasil e nos EUA: Confrontos e Contrates – em Revista de Administração de Empresas, nº 9, outubro/dezembro 1963)

Esta visão pessimista era perfeitamente justificável naquela época, quando se calculava que não contávamos com mais 20 supermercados em São Paulo. E o motivo muito simples e claro desta situação era apenas um: na verdade, naquela época não tínhamos nenhum verdadeiro supermercado no Brasil.

Nossos supermercados, inclusive os da nossa rede, ainda não haviam conseguido transforma-se em verdadeiros supermercados porque não conseguiam vender mais barato do que a feira em São Paulo, ou do que os estabelecimentos tradicionais de venda a varejo em outros locais.

Realizamos regularmente pesquisas de preços e durante muitos anos, desde a inauguração do primeiro Pão de Açúcar, em 1959, quando começamos a realizar as pesquisas, nossos preços chegavam a ser em média, de 4% a 5% mais caros do que os das feiras. E havia uma empresa de supermercados na época, o SirvaSe que depois foi incorporado a nossa rede, que chegava a vender de 8% a 10% mais caro do que as feiras. Eram, provavelmente, as lojas mais amplas e completas de São Paulo, mas com esta política de preços não se podia falar na existência de verdadeiros supermercados no Brasil.

Os obstáculos Porque tínhamos esta situação? A razão era simples. Até cerca de dois anos, os supermercados não tinham condições objetivas de concorrer com os preços das feiras. Sua única alternativa era concorrer em qualidade, variedade, conforto, bons serviços.

Em preços, mesmo com uma taxa de lucros reduzida, era totalmente inviável para os supermercados, em São Paulo, concorrer com as feiras. E vários fatores contribuíam para esta situação. Muito resumidamente eram os seguintes:

1. os supermercados pagam todos os seus impostos enquanto as feiras sonegavam-no em quase sua totalidade. Ora, o antigo IVC somado ao Imposto de Industria e Profissões, atingia 7,6% das vendas. 2. os supermercados arcam com uma série de custos fixos dos quais as feiras estão isentas: aluguel, manutenção, depreciação de capital fixo, luz, força, água, telefone, imposto predial. 3. a vantagem decisiva que os supermercados têm sobre os outros tipos de vendas a varejo nos países desenvolvidos, especialmente os EUA, é a da economia da mão-de-obra. No Brasil também os supermercados, devido ao sistema de auto-serviço, economizam mão-de-obra. Mas, como os salários são relativamente baixos no Brasil, quando comparados com os dos EUA, esta economia é pequena, de forma que não chega a compensar os problemas anteriormente citados.

Nesses termos, os custos de operação e os impostos dos supermercados eram consideravelmente mais elevados do que as feiras. Por outro lado, não conseguiam dos fornecedores preços mais baixos do que os feirantes, já que as empresas de supermercados ainda eram relativamente pequenas. Além disso, os feirantes, em São Paulo, situados perto dos fornecedores, podiam comprar diretamente, sem necessidade de intermediários.

Impostos elevados, custos operacionais mais altos e preços de compra igual implicavam necessariamente em preços de venda mais altos dos supermercados em relação às feiras. E assim, os supermercados só podiam se desenvolver muito lentamente.

A era dos supermercados Recentemente, alguns fatos novos vieram alterar esta situação de forma radical. De um lado, um novo sistema de tributação, o ICM, que incide sobre o valor adicionado de cada empresa, em vez de incidir sobre as vendas, fez baixar para cerca da metade a carga tributária dos supermercados. Além disso, à medida que incide sobre a diferença entre a compra e a venda, o ICMS passou a constituir um mecanismo automático de estímulo à redução de preços. Antes havia um limite mais baixo do qual haveria prejuízo liquido excluídas todas as outras despesas. Esse limite era a porcentagem de imposto: 7,6%. Agora esse limite não existe mais. Quanto menor o preço, menor o imposto pago. E se vendermos abaixo do custo, acabaremos, em relação àquela mercadoria, creditando-nos de imposto.

Um imposto menor significava uma menor vantagem para nossos concorrentes que sonegavam impostos. Por outro lado, uma melhor fiscalização dificultava a sonegação que ainda conseguiam realizar. A desvantagem dos supermercados em relação às feiras reduzia-se, assim, consideravelmente. Do lado das cooperativas, a supressão da isenção de impostos as punha em pé de igualdade com os supermercados.

Neste momento, ou mesmo um pouco antes disso, em meados de 1966 (o ICM data de janeiro de 1967) iniciávamos uma política de preços agressiva em São Paulo que as novas condições iriam permitir e fortalecer.

A filosofia da primeira empresa de supermercados fundada no Brasil, e que foi, em 1965, incorporada a nossa companhia, nunca nos satisfez. A filosofia de compensar preços altos por bons serviços, grande variedade e ambiente agradável, não era aceitável. Somos sem dúvida, favoráveis a bons serviços, ambiente agradável e linha completa. Mas queríamos adicionar a isto também baixos preços. Preços que realmente fossem inferiores aos das feiras, de forma que não ficássemos limitados à classe “A”.

Em meados de 1966, decidimos fazer uma experiência: escolhemos duas lojas, e fizemos uma baixa de preços radical nas mesmas. Os resultados foram extraordinários. Já estávamos praticamente decididos a estender a baixa de preços para todas as lojas, quando foi introduzido o ICM. Percebemos, imediatamente, o significado do fato, e, baseados em nossa experiência anterior nas duas lojas, tomamos uma decisão da maior importância, que efetivamente abria novas perspectivas para a distribuição em massa de alimentos no Brasil. Baixamos de forma decisiva as margens, a fim de tornar nossos preços mais baratos do que os da feira. A decisão importava em alguns riscos, mas era essencial para a efetiva modernização do abastecimento do Brasil. Só assim poderíamos estender a todas as classes sociais, e não apenas a uma minoria privilegiada, os benefícios dos supermercados.

Podemos hoje, afirmar que esta decisão foi vitoriosa. Nossas vendas, em termos reais, para cada loja, excluídos, portanto os aumentos decorrentes de novas lojas e da inflação, aumentaram aproximadamente 50%. Começava uma nova historia do abastecimento no Brasil. – “A era da distribuição em massa”. Fora de São Paulo Concomitantemente, as redes de supermercados nos outros estados também cresciam. O ICM certamente também serviu-lhes de estimulo. É preciso, todavia, salientar um fato importante: o relativo atraso do desenvolvimento dos supermercados fora do eixo São Paulo – Rio de Janeiro deveu-se menos aos fatores estruturais relacionados à concorrência, e mais devido à falta de conhecimentos técnicos no setor.

De fato, agora que no outros estados, especialmente no Nordeste e no Sul do Brasil verifica-se um grande desenvolvimento dos supermercados, originando-se as empresas, em sua grande maioria, de antigos atacadistas, o que se verifica ali é que o supermercado representa a supressão do intermediário nessas regiões. Nas cidades de SP e RJ já vimos que os intermediários entre produtores e varejistas não tinham importância. Os feirantes, mesmo os pequenos, conseguiam comprar diretamente, por estarem situados perto dos produtores. Nas outras regiões, a compra direta só foi possível quando os atacadistas começaram a se transformar em supermercados. Neste momento, os demais varejistas, inclusive as feiras regionais, que compravam destes atacadistas, não tinham qualquer chance de concorrência. O caminho estava aberto para estes supermercados. Na verdade, costuma-se dizer que haverá tanto mais facilidade de desenvolvimento para os supermercados quanto mais desenvolvida economicamente for a região. No Brasil acontece o contrario, devido a este problema de distribuição.

Embora o número de supermercados existentes no País esteja ainda muito abaixo daquele que seria ideal para abastecer uma parcela considerável da população, parece-nos altamente significativo o fato de possuirmos no Brasil as três maiores redes de supermercados da América Latina, em números de lojas. Os supermercados Pão de Açúcar com 36 lojas em São Paulo, capital e Interiores Supermercados Real no Rio Grande do Sul com 26 lojas e is Supermercados Peg-Pag com 25 lojas em São Paulo e Guanabara. O segredo do êxito Todos os fatores que acabamos de analisar, seja em SP,seja no RJ, seja no Nordeste ou no Sul, indicam claramente que o momento é favorável aos supermercados. Mas não tenhamos dúvida: o segredo de nosso êxito será sempre e fundamentalmente um só: preços dramaticamente mais baixos e uma política agressiva e inteligente de promoção e exposição dos produtos.

As vantagens que os supermercados já possuem em relação aos sistemas tradicionais de abastecimento, seja em termos de eficiência, seja em termos de conforto e segurança para os fregueses são claros. Mas sistemas tradicionais ainda têm condições de subsistir aqui no Brasil. Por outro lado, à medida que aumenta o número de supermercados, a concorrência entre eles tende a aumentar. E neste momento, para continuar a se desenvolver, preços baixos ainda serão mais importantes.

Ora, para alcançar preços baixos é preciso quatro coisas: administrar com eficiência; comprar bem; contentar-se com lucro razoável; vender bem. Vender bem significa adotar os métodos mais modernos de comercialização. Possuir lojas atrativas e agradáveis. Expor a mercadoria de forma que o consumidor seja levado naturalmente a comprar. Montar lojas com displays e outras promoções que as tornem agressivas. Desenvolver campanhas publicitárias inteligentes.

Mas além de comprar e vender bem, e de contentar-se com uma margem de lucro apenas satisfatória, é preciso possuir uma boa administração – dotada de espírito de organização e ao mesmo tempo de imaginação. Uma administração que consiga sempre operar com um mínimo de custo, seja no setor de pessoal, no da manutenção, no do transporte, seja no setor dos serviços administrativos gerais, e ao mesmo tempo garanta que esses serviços definam os locais ideais para a abertura de novas lojas, e estas lojas sejam capazes de melhor atender o consumidor.

Em outras palavras, tudo o que acabamos de dizer pode ser resumido nesta historia muito conhecida. Certa vez perguntaram a John D. Rockfeller, o grande empresário da Standard Oil, qual era o melhor negocio do mundo. Sua resposta foi simples: “O melhor negocio do mundo é o do petróleo, bem administrado.” E o pior negócio do mundo? Perguntaram-lhe. Sua resposta foi imediata: “O pior negocio do mundo é o do petróleo, mal administrado.”