POR Abilio Diniz

No final deste ano de 1978, período que antecede a mudança de governo, é necessária uma profunda reflexão sobre os dois grandes males que afligem a economia brasileira: uma inflação excessivamente elevada e uma crescente divida externa, que se não é alarmante, necessita ao menos ser estabilizada. Estes problemas, por sua vez, estão diretamente relacionados aos investimentos governamentais, às prioridades em relação à política econômica, e à necessária reciclagem do sistema industrial.

A inflação brasileira provém fundamentalmente de problemas estruturais decorrentes da expansão econômica verificada entre 67 e 73. Mesmo após 1973 continuamos a investir em projetos que demandam vultosas quantias de capital e cujo retorno se faz de forma lenta em alguns casos e, em outros, o retorno e a viabilidade econômica chegam até a ser discutíveis como, por exemplo, a ferrovia do aço de Tubarão. Os debates que ocorrem no próprio governo comprovam esta teoria. Estes investimentos ao mesmo tempo em que para ser executados necessitam de financiamento, contribuindo para o aumento da divida interna e externa, tornam-se altamente inflacionários por não serem produtivos em curto prazo. Os únicos pontos efetivamente benéficos nestes investimentos são o aumento do mercado de trabalho e o aumento da demanda por bens de capital. Mas apenas estes fatos não os justificam dada a existência de outras prioridades. Estes investimentos aliados ao amor obsessivo que o governo tem por todos os fatores alimentadores da inflação no Brasil tornam quase impossível a sua redução.

Neste início de 79, faz-se necessária uma revisão de toda a política econômica no Brasil. Antes de se ensaiar algumas diretrizes para a economia brasileira, é necessário, porém, termos bem claras duas coisas: primeiro nunca esquecer que temos que levar em conta o critério de prioridade. Temos limitações de varias ordens e, portanto, nunca poderemos desenvolver planos excessivamente ambiciosos que se tornam de impossível execução. Em segundo lugar, temos que crescer, por ano, no mínimo o suficiente para absorver, no mercado de trabalho o crescimento vegetativo da população. Por isso, dever-se-ia dar preferência a projetos de mão de obra intensiva, sobre os de capital intensivo.

O atual modelo econômico brasileiro, o chamado modelo exportador tem se mostrado teoricamente excelente, porém na prática, tem-se revelado por si só ineficaz. É verdade que essa ineficácia é oriunda não apenas de falha do “modelo” ou de falhas na sua elaboração e execução; mas ela também provém de fatores circunstancias, sendo o principal deles ligado a conjuntura internacional dos anos pós “crise do petróleo”.

Acredito que a solução, neste momento, não seja o abandono do chamado modelo exportador, mas sim a sua conjugação com o modelo que visa fortalecer o mercado interno. Creio que é possível, sem se esquecer do critério de prioridades, darmos ênfase simultânea aos dois modelos. Para isso, necessária seria uma reciclagem na indústria de bens de consumo brasileira. Esse setor teria que se preparar para produzir artigos altamente sofisticados que acabam sendo consumidos em massa, com enorme sacrifício da população e tornando-se, por si só, um fator constantemente realimentador da inflação. Enquanto desenvolvemos a conjugação do “modelo exportador” orientado para a produção de produtos exportáveis dentro de uma economia de mercado com o fortalecimento do mercado interno, temos que encontrar uma fórmula que nos possibilite “ir pagando as contas”.

Parece que a única maneira de “pagarmos as contas” em curto prazo é através de um melhor aproveitamento dos nossos recursos naturais. Somos um país com um imenso potencial agrícola e não devemos nos atemorizar, em hipótese alguma, face às adversidades que sofremos neste ano de 1978. Qual o “sacrifício” para o País que representam os subsídios e incentivos à exportação de manufaturados e qual a contrapartida que poderia se obter com a aplicação de parte desses recursos, em um bem elaborado programa agrícola? Nunca devemos nos esquecer das prioridades. Se dermos mais a um, temos evidentemente que tirar de outros. Se examinarmos nossa pauta de exportação de produtos manufaturados, quantos desses produtos iremos encontrar que sejam colocados no mercado internacional em forma de “mercado vendedor”? De quanto destes produtos o mercado internacional é realmente carente ou representam uma preocupação em relação ao futuro?

Se olharmos para os produtos agrícolas ou agropecuários, entretanto, a situação nos parece outra. A preocupação mundial com a escassez de alimentos é muito grande. Sabemos que os produtos agropecuários são sujeitos, internamente, a fatores climáticos que nos escapam totalmente ao controle. E, externamente, esses produtos são sujeitos a violentas oscilações de preço normalmente provocadas pelos mesmos fenômenos climáticos e também por uma forte especulação controlada pelos grandes trustes. Porém, estas adversidades não ocorrem também com os produtos manufaturados, provocadas evidentemente por outros fatores, mas com resultados semelhantes? Além do que, não há dúvida que os países produtores de produtos agropecuários hoje têm armas muito mais eficientes para lutar contra esses problemas. Podemos afirmar com convicção que nestas duas últimas décadas do século 20, a agricultura deixa definitivamente de ser um negócio de pobres para se tornar um extraordinário potencial de riqueza para os países que o possuem.

Nesta altura, creio que haja necessidade de nos entendermos. Não sou um ferrenho defensor da agricultura em detrimento de um processo gradativo de desenvolvimento industrial. Sei que o que caracteriza um país desenvolvido é seu elevado grau de industrialização. Por esta emancipação industrial temos que lutar com força e perseverança. O que proponho é um meio para se procurar atingir um fim. Além disto, este meio, que no caso representa o fortalecimento da agricultura e da agropecuária poderá, se bem orientado, ser um forte aliado do fim, entendendo-se por fim o elevado índice de desenvolvimento industrial.

Além destas medidas de base, é evidente que se faz necessário colocar a casa em ordem. É claro que algumas medidas monetaristas também deverão ser conjugadas. Porém, algumas medidas de profundidade têm que ser tomadas. Em primeiro lugar, torna-se necessária uma reformulação no setor financeiro. Não se trata de procurar travar uma luta contra os odiosos banqueiros que cobram juros exorbitantes de seus clientes, visando auferir cada vez maiores lucros numa desenfreada ganância de acumulação de riqueza. Trata-se, isto sim, de meditar sobre o que ocorre com o setor. É evidente que na atual estrutura do sistema financeiro nacional existe algo que não está adequado aos melhores padrões de eficiência. É certo que nossas taxas de juros são altas porque nossa inflação é muito elevada; que os papeis de renda fixa dos bancos particulares têm que competir com os papeis governamentais, que oferecem ao tomador rendimentos tais que impedem aos bancos uma captação a níveis mais baixos.

Porém não é menos certo que a estrutura dos bancos brasileiros faz com que estes tenham custos operacionais excessivamente altos, de forma que suas despesas fixas acabam impedindo uma diminuição sensível nas taxas de juros, mesmo nos momentos em que a conjuntura é favorável à redução. A estrutura dos bancos brasileiros, sua forma de trabalhar, o número de agências que cada banco possui com conseqüente baixíssimo movimento médio por agência, fazem com que os bancos tenham necessidade de um diferencial muito grande entre a captação e a aplicação a fim de cobrir as suas despesas e ainda auferir lucros.

Dentro da reformulação do setor financeiro é necessária também uma análise mais atenta sobre a poupança compulsória, que se encontra totalmente estatizada e sobre os efeitos da correção monetária como realimentador da inflação.

Ao mesmo tempo em que o governo deve se preocupar com uma revisão total no seu programa de investimentos, deve também exercer um rígido controle sobre as companhias estatais, fazendo com que estas não se preocupem apenas com o seu desempenho e crescimento individual, mas também e principalmente com o desenvolvimento e crescimento do País como um todo.

Finalmente, acredito que seja fundamental para o País um dialogo muito maior entre governo e as classes empresariais. Não um diálogo contestatório ou de fundo reivindicativo – normalmente feito a posteriori dos acontecimentos mais importantes ocorridos no País. Mas sim um diálogo, franco, realizado à priori, que possa assessorar os órgãos governamentais na tomada de decisões importantes para o País, ao mesmo tempo em que possibilite também aos empresários uma programação correta de seus investimentos. Assim poderão aumentar cada vez mais a produtividade de suas empresas e do seu setor, atendendo melhor aos interesses da nação. Um diálogo dessa natureza é essencial para a total emancipação econômica do País, em busca de um desenvolvimento que acabe por beneficiar todas as camadas da população brasileira.