POR Abilio Diniz

A evolução na técnica de abastecimento de gêneros alimentícios deu-se verdadeiramente nos EUA a partir de 1930, com o surgimento do primeiro supermercado, o “King Cullen Supermarket”. Basicamente a sua filosofia se baseava na distribuição a varejo de gêneros alimentícios, pelo sistema de auto-serviço, apoiando-se numa venda em massa a preços reduzidos. Em outras palavras, vender muito, com baixo custo operacional e lucro unitário reduzido. Após trinta anos, já existiam 35 mil supermercados nos EUA, responsáveis por 76% do abastecimento do país com um número de lojas que representam apenas 15% do total de lojas existentes. A maior cadeia americana de supermercados é a “The great Atlantic na Pacific Co.”, ou apenas “A&P”, com 4.600 lojas e que vendeu em 1966 cerca de US$ 7 bilhões. No inicio, o espírito que prevalecia era o da ausência total de serviços ao consumidor, preços dramaticamente baixos e lojas pouco luxuosas. Recentemente, houve uma maior preocupação com a aparência das lojas, porém, as políticas de preços baixos e distribuição em massa continuam sendo a pedra fundamental nas maiores empresas.

Talvez possamos perguntar: “Por que nova perspectiva em abastecimento, se esta técnica foi implantada nos EUA há 37 anos, ou seja, passados já 15 anos?” a verdade, porém, é que essa é uma nova perspectiva, porque nestes 15 anos, o Brasil viu-se obrigado a distorcer em boa parte a filosofia original dos supermercados. Embora o primeiro supermercado montado em São Paulo – localizado na Rua da Consolação próximo à Avenida Paulista – vendesse gêneros alimentícios pelo sistema de auto-serviço, ele não seguia a arte mais importante da tecnologia que era a venda em massa a preços reduzidos. Isto ocorreu posteriormente também com várias outras empresas de supermercados, muitas das quais pereceram após algum tempo, em virtude de algumas dificuldades fundamentais, as quais passaremos rapidamente a expor:

Em São Paulo, o principal concorrente dos supermercados são as feiras livres, as quais até certo ponto impediram, ou pelo menos dificultaram a expansão dos supermercados. Por quê?

a) Os supermercados possuem uma série de custos fixos aos quais não podem fugir e que estão ausentes na sua concorrência direta, tais como: aluguel, depreciação, luz, força, manutenção, imposto predial, etc. b) Os supermercados, em virtude de seu tipo de operação, pagam todos os seus impostos, o que não ocorre em absoluto com as feiras livres. Até o fim de 1966, antes da reforma tributaria, os supermercados recolhiam aos cofres públicos entre IVC, Industrias e profissões e Leis Sociais, cerca de 10% de sua venda. Isto representava quase uma diferença total de 10% a favor das feiras livres em matéria de diminuição de custos. c) Por outro lado, a grande arma dos supermercados em todos os países do mundo, ou seja, a redução de custos através da substituição de mão de obra pelo sistema de auto-serviço, não é uma arma o bastante forte no Brasil. Isso porque o custo da mão de obra brasileira é relativamente baixo se comparado com o custo nos EUA e na Europa, onde ocorreu grande proliferação dos supermercados. Esta economia de mão de obra não é suficiente para fazer frente às outras dificuldades encontradas.

Estes obstáculos eram reais. Entretanto, alguns homens de supermercados nunca se conformaram com eles. Acreditavam que devia existir um meio de superá-los. A filosofia da primeira empresa de supermercado fundada no Brasil, e que foi, em 1965 incorporada à outra grande companhia nunca nos satisfez. A filosofia de compensar os altos preços por bons serviços, grande variedade e ambiente agradável, não era aceitável para nós. Somos, sem dúvida, favoráveis a bons serviços, ambiente agradável e linha completa. Mas queríamos adicionar a isto também baixos preços. Preços que realmente fossem inferiores aos das feiras, de forma que não ficássemos limitados a classe “A”. Foi, porém somente no inicio de 1967 com a introdução do ICM em substituição ao IVC, que os supermercados passaram a operar inteiramente apoiados na ideologia completa que orienta todos os verdadeiros supermercados, pois o novo sistema de tributação reduziu a carga tributária dos supermercados. Tratando-se de um imposto que recai sobre a margem bruta não pagariam mais do que 3% de ICM, contra mais de 7% de IVC e Industrias e Profissões. Algumas empresas de supermercados perceberam o significado do fato e, baseadas na certeza de que precisariam chegar a um ponto em que seus preços fossem realmente inferiores aos da concorrência, tomaram uma decisão da maior importância que efetivamente abria novas perspectivas para a distribuição em massa de alimentos no Brasil. Baixaram de forma decisiva seus preços, a fim de torná-los mais baratos do que os da feira.

A decisão importava alguns riscos, mas era essencial para a efetiva modernização do abastecimento no Brasil. Só assim os benefícios dos supermercados poderiam atender a todas as classes sociais, e não apenas uma minoria privilegiada. Podemos hoje afirmar, que esta decisão foi vitoriosa. Suas vendas, em termos reais, para cada loja – excluídos, portanto, os aumentos decorridos de novas lojas – aumentaram consideravelmente. Com este sucesso surgiu a perspectiva dos supermercados dirigirem-se para os bairros populares, e também para o interior do estado. Com isto, se inicia uma nova fase histórica do abastecimento no Brasil– “A era da distribuição em massa”.

O segredo para atingir este sucesso é simples: venda altíssima decorrente de preços dramaticamente baixos. Mas para ter preços baixos e não deixar de ter remarcação justa do capital investido, é preciso ter custos operacionais muito baixos, comprar bem e saber vender. Em resumo, é preciso administrar segundo critérios de eficiência. Só assim esta era da distribuição em massa de alimentos, a preços baratos, através de supermercados, poderá tornar-se realidade. É um desafio que temos que enfrentar. É um desafio que os supermercados brasileiros enfrentarão com prazer, para tornar mais moderno e eficiente o abastecimento do País.