POR Abilio Diniz

O diagnóstico atual da crise econômica brasileira mostra um quadro em rápida deterioração. O precário equilíbrio de nossas contas externas e os compromissos assumidos para assegurar o fluxo de recursos financeiros diante da crise de liquidez, tem reduzido, de forma drástica, a margem de manobra das autoridades econômicas. A persistência em uma política de ajuste via recessão, pode conduzir o País a um desequilíbrio sócio-econômico absolutamente indesejável. Impõe-se que uma solução alternativa seja encontrada.

Os últimos dados sobre a produção industrial publicado pela FIBGE indicam que a produção industrial manteve-se praticamente estagnada em 1982 depois de grande queda verificada em 1981. Como reflexo desse desempenho industrial negativo agrava-se a situação de desemprego: depois de acentuada queda durante todo o ano de 1981, a taxa de desemprego manteve-se estagnada em 1982, com ligeira recuperação até maio, apresentando-se em declínio nos meses subseqüentes. E segundo pesquisa da FIESP para o estado de São Paulo, essa redução no nível de emprego se intensificou nos últimos meses.

Como se não bastasse este quadro negativo a caracterizar nosso desempenho econômico no passado recente, temos pela frente um horizonte de incertezas onde predominam as perspectivas pessimistas com respeito à economia. Esta incerteza e pessimismo ficaram objetivamente caracterizados na ultima sondagem conjuntural realizada pela FGV. Segundo esta avaliação, desde 1974 os empresários não antecipavam resultados tão negativos, quer para o nível de produção, quer para a absorção de mão de obra.

Diante desta perspectiva, toma nova dimensão a discussão de alternativas para a economia, em face da crise financeira internacional e dos problemas de inflação e desemprego, que já atingem níveis inéditos em nossa experiência recente. Ao que tudo indica, manter o atual estado de coisas, caracterizado por uma política de austeridade, nos moldes do FMI e dos banqueiros internacionais, quando se sabe a priori sua ineficácia frente a uma conjuntura internacional adversa, só poderá levar ao agravamento das tensões internas. A manutenção desta política, além de não resolver nossos problemas externos, pode tornar nossos problemas internos ainda mais críticos do que aqueles. Isto porque começamos a entrar numa fase perigosa para o nível das atividades internas com juros excessivamente elevados, queda nos investimentos e na produção e desemprego crescente.

Cabe ressaltar ainda que além destes aspectos, o aprofundamento da recessão aumenta as possibilidades de ocorrência de uma séria crise no setor público, decorrente das dificuldades que este encontra em ajustar-se a um menor nível de atividade. Isso porque o setor público não possui a flexibilidade do setor privado para reduzir suas despesas correntes, que se constituem notadamente em despesas de pessoal. Por outro lado, cabe também destacar que seria ilusório admitir que todo o sacrifício do ajustamento da economia pudesse ser suportado apenas pelo setor público. Na verdade, mesmo que este seja obrigado a arcar com o impacto inicial, seus efeitos seriam rapidamente transferidos para outros setores, já que os gastos do governo são um dos principais componentes da demanda global.

Considerando todos esses aspectos, parece-me claro e urgente que medidas sejam adotadas no sentido de deter o atual processo recessivo, antes que este possa atingir o ponto de não retorno. O aprofundamento desse processo poderia significar a possibilidade de destruição do nosso parque industrial, montado a custo de tantos sacrifícios, exatamente agora, no momento em que a economia internacional começa a dar os primeiros sinais de recuperação.

No momento, qualquer política que se possa imaginar para deter a recessão teria que ser implementada necessariamente a partir de duas frentes: a externa e a interna. Para que se possa recuperar a margem de manobra na formulação de uma política econômica interna, torna-se essencial que haja um reequacionamento da questão externa por meio do reescalonamento dos pagamentos internacionais em bases mais estáveis e com maior participação dos organismos internacionais e bilaterais de financiamento. A maneira como estamos tratando essa questão é provavelmente satisfatória para os banqueiros internacionais, mas não aponta uma alternativa viável para o País, na medida em que continuamos pendurados no interbancário, sem financiamento de curto prazo para as exportações e obrigados a políticas recessivas cada vez mais profundas, destinadas a gerar um vultoso superávit comercial em época de recessão generalizada.

O abandono dessa linha e sua substituição por uma política mais pragmática de ajustamento de nossas contas externas proporcionariam espaço pra o desenvolvimento de uma nova política interna de recuperação traduzida em um planejamento de médio e longo prazo. Assim, como Keynes conseguiu vislumbrar uma saída para a crise econômica em 1929 através da recuperação econômica, hoje, embora em situação diversa, precisamos enfrentar o mesmo desafio procurando soluções positivas, por menos convencionais que estas possam parecer.

O primeiro aspecto a ser observado em uma política interna de recuperação é o da redução das taxas de juros. Dois anos de política recessiva, além da maxidesvalorização, comprometeram em demasia a saúde financeira das empresas. Impõe-se de imediato que mecanismos sejam ativados no sentido de reduzir o atual patamar das taxas de juros, de modo a garantir a rolagem dos atuais débitos das empresas em níveis compatíveis com a sua capacidade financeira.

Garantido este alívio no curto prazo, cabem também às autoridades econômicas em conjunto com os demais segmentos da sociedade, traçar as linhas mestras de uma política de crescimento econômico.

É fundamental que possamos garantir um mínimo de recuperação do nível de emprego, em razão dos aspectos sociais envolvidos, além de promover a recuperação da indústria nacional. Para isso, é preciso definir políticas setoriais que visem à reorientação do crescimento para os setores onde este seja compatível com as limitações externas.

O papel do setor público neste processo destinado a promover o ajustamento econômico, deve ser o de garantir os investimentos através do remanejamento dos gastos em custeio e subsídios, sem abandonar os objetivos de redução dos déficits orçamentários.

Por último, a instável situação em que se encontram as nossas contas externas, que poderá inclusive nos aproximar a qualquer momento do ponto de ruptura, torna indispensável uma antecipação de esforços no sentido de promover aceleradamente um sério programa de substituição de importações. Um choque espontâneo de oferta, embora possa causar problemas de curto prazo, poderia, desde que planejado, vir a constituir-se em novo centro de dinamismo para o crescimento econômico. É fato que não temos petróleo, temos, porém um imenso mercado interno e uma enorme capacidade ociosa em nosso parque industrial. Paralelamente ao esforço de substituição de importações, a possibilidade de incrementar acordos bilatérias com países que já foram grandes parceiros comerciais, e que deixaram de sê-lo em virtude de seus próprios problemas econômicos, poderia garantir, no curto prazo, o indispensável suprimento externo ao país.

Assegurar maior autonomia e estabilidade em nossa política de ajuste externo, garantir alivio para o setor produtivo nacional e delinear as bases para uma recuperação. São estes os desafios que se impõem à nossa imaginação criadora.