POR Abilio Diniz

A atual crise financeira vivida pela Fundação Getúlio Vargas, que poderá culminar com a extinção dos cursos de graduação em SP e no RJ, leva-nos a repensar a questão do ensino superior, particularmente os problemas relacionados com a formação dos quadros dirigentes do País.

Nas sociedades modernas, em razão da complexidade das grandes organizações, exige-se a formação de lideranças altamente qualificadas. Por sua vez, isto implica na necessidade de um ensino superior voltado para a formação destas elites profissionais que irão desempenhar papeis cada vez mais importantes na gestão das empresas publicas e privadas. Nos EUA, por exemplo, estes quadros são recrutados nas universidades de primeira linha, principalmente naquelas tradicionalmente denominadas de “Ivy League” (entre elas, Harvard, Yale, Cornell, Princeton, Columbia). Na França, são alunos das chamadas “grandes escolas” como a Ecole National d’Administration (ENA), que ocupam as principais posições executivas nas áreas privadas e governamentais. Estas instituições modelo acabam se transformando em patrimônio da coletividade e motivo de orgulho nacional.

Neste contexto, a ameaça de extinção do curso de graduação da EAESP-FGV deve preocupar a todos que sentem a necessidade do País em formar novos quadros, aptos a enfrentar os desafios criados pelo processo de transformação da economia e sociedade brasileiras. Não há duvidas de que é o melhor curso de administração, em nível de graduação, existente no Brasil. Seleciona no seu exame vestibular uma elite intelectual de alunos, os quais, ao se formarem, tornam-se administradores competentes, com posições praticamente garantidas no mercado de trabalho. Neste sentido, posso adiantar o meu testemunho pessoal, não só como ex-aluno da EAESP, mas também como empresário e como membro do Conselho de Administração da EAESP.

Logo após a iniciativa pioneira da FGV de abrir uma escola de administração de empresas em São Paulo, ingressei na segunda turma do seu curso de graduação. Naquela época, a escola funcionava no edifício do Ministério do Trabalho, na Rua Martins Fontes. Grande parte dos professores era estrangeira, pois, naquele momento, um grupo de brasileiros estava desenvolvendo um programa de pós-graduação em redes de universidades no exterior.

A preocupação básica do curso recém-criado era a formação integral do administrador, isto é, não se tratava apenas de um programa de treinamento com o objetivo de transmitir técnicas operacionais administrativas. Tratava-se, na verdade, de um curso voltado fundamentalmente para dotar os alunos de uma sólida base de ciências humanas (sociologia, psicologia, ciências políticas, etc.) ao lado das disciplinas que constituem a essência do currículo em administração (finanças, mercadologia, produção, administração de pessoal, etc.). Dentro desta filosofia de ensino, o aluno adquiria uma capacidade de perceber e de analisar os fatores internos e externos que determinam o desempenho da empresa. E esta orientação tem sido preservada na EAESP, dando aos alunos egressos da escola posição diferenciada no mercado de trabalho.

Nos seus 25 anos de existência, a EAESP formou um corpo docente de elevado padrão acadêmico, grande parte com treinamento no exterior, e que se somou, em alguns casos, a experiências vividas em empresas publicas e privadas. O curso de graduação, que constitui cerca de 60% das atividades da Escola, fornece a massa critica indispensável à instituição, permitindo manter grande parte do corpo docente dedicado à pesquisa e ao ensino. A perspectiva de extinção deste curso, portanto, acabará inviabilizando a manutenção desta equipe de professores, o que poderá significar, em médio prazo, o desaparecimento de um dos poucos centros dedicados ao desenvolvimento de novos conhecimentos na área de administração no Brasil. Desta forma, o que está em causa não é apenas a extinção de um curso de graduação, mas a própria qualidade dos demais programas dirigidos de nossas elites técnicas e profissionais.

Como acontece em quase todos os países, a educação de boa qualidade não é um empreendimento rentável. Não é de se surpreender, portanto, que a EAESP seja financeiramente deficitária. Isto não significa que a escola deva encerrar suas atividades, principalmente porque já se conseguiu demonstrar, através de um programa alternativo, que é possível reduzir o déficit a níveis suportáveis. Além disso, desde que foi anunciada a eventualidade de fechamento dos cursos de graduação, um grupo expressivo de empresários paulistas mobilizou-se para levantar recursos que viessem a amenizar o desequilíbrio financeiro, impedindo desta maneira que as portas se fechassem para cerca de 2 mil estudantes que, a cada semestre, se inscrevem no vestibular da Escola. Por acreditar que esta instituição representa, hoje, um patrimônio cultural da comunidade, tenho a certeza de que um número ainda maior de empresários paulistas emprestará a sua adesão voluntária ao objetivo comum que é o de manter a EAESP em pleno funcionamento.

Os estudos realizados demonstraram que a economia que se obteria com o mero fechamento do curso de graduação é pequena comparativamente com a economia oferecida pelo plano alternativo, que prevê o fechamento apenas do curso noturno e a abertura de novas turmas de especialização, sendo este plano, portanto, muito mais favorável às finanças da Fundação.

Todos nós, que temos acompanhado o esforço que se realiza no país para a modernização de suas estruturas econômicas e sociais, percebemos a necessidade da formação de novas lideranças aptas a desempenhar um papel relevante nesse processo. A crise financeira por que passa a EAESP abriu aos empresários a oportunidade de participar, de uma forma mais efetiva, nos destinos das instituições que, pelo alto nível de ensino e pesquisa desenvolvidos, devem estar, permanentemente, afastadas da ameaça de extinção.

Os empresários já se pronunciaram pela manutenção do curso. Estou certo que a Fundação poderá contar com o seu efetivo apoio financeiro. A decisão sobre a continuidade do curso, entretanto, não pode esperar que os fundos provenientes dos empresários sejam levantados. Além disso, está provado que a extinção do curso de graduação não contribuirá, em curto prazo, para nenhum alivio financeiro para a Fundação. É absolutamente necessário e urgente, portanto, que o Governo Federal se manifeste a respeito e que os vestibulares sejam convocados. A Fundação é uma organização quase pública, cujos fundos provém, basicamente, do próprio governo. Assim, cabe às autoridades governamentais garantir os recursos adicionais necessários à Fundação, mas é também seu direito exigir, em nome da sociedade, que uma atividade fundamental da FGV, como é o seu curso de administração de empresas seja preservado.